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Melbourne Walk against Warming. Dez 2009. CC John Englart
Melbourne Walk against Warming. Dez 2009. CC John Englart

2024 foi o primeiro ano acima de 1,5º de aquecimento global. E agora?

Os países responsáveis pelo aquecimento global continuam a emitir acima da sua quota-parte. E 1% da população mais rica do planeta contribui com 23% das emissões de gases com efeito de estufa, cujos efeitos mais negativos se fazem sentir sobre os mais pobres.

O ano de 2024 foi o primeiro em que se registou uma temperatura média global superior a 1,5oC acima da média do período pré-industrial[1], a temperatura correspondente à meta estabelecida pelo Acordo de Paris para limitar significativamente os riscos e impactos das alterações climáticas[2].

Tal como uma andorinha não faz a primavera, um ano isolado acima de 1,5oC não significa que a meta do Acordo de Paris tenha sido ultrapassada: para isso é necessário que os 29 anos seguintes sejam, em média, 1.5oC mais quentes do que o período pré-industrial. Além do aquecimento devido às emissões de gases com efeito de estufa, a temperatura global varia a diversas escalas temporais, influenciada pela variabilidade da circulação atmosférica e do oceano, entre outros fatores. Do ponto de vista puramente físico, é prematuro concluir que tenhamos ultrapassado a meta do Acordo de Paris. Do ponto de vista ecológico e social, as conclusões tornam-se mais preocupantes.

Os ecossistemas terrestres sequestram, todos os anos, cerca de 30% das emissões antropogénicas de dióxido de carbono (CO2). Sem eles, já teríamos ultrapassado as concentrações de CO2 atuais há várias décadas.  Por esse motivo, as políticas de mitigação das alterações climáticas baseiam-se, em grande medida, no pressuposto de que os ecossistemas continuarão a sequestrar CO2, tanto ou mais do que no passado, contabilizando-os para compensar emissões de combustíveis fósseis. A cada ano que passa, esse pressuposto é cada vez mais posto em causa. Na última década, têm-se acumulado sinais de que os níveis atuais de aquecimento global já poderão ser demasiado elevados para muitos ecossistemas, podendo levar à destabilização dos reservatórios de carbono nas florestas e outros ecossistemas pelo mundo. Por exemplo, em 2023, os incêndios no Canadá emitiram mais CO2 em alguns meses do que a União Europeia no mesmo ano[3]. Nesse mesmo ano, a seca extrema que se registou na Amazónia fez com que a floresta tropical, um dos mais importantes do planeta, se tornasse numa fonte de CO2[4]. Na União Europeia, o sector florestal tem vindo a diminuir a sua capacidade de sequestro de carbono na última década[5], uma tendência atribuída, em parte, aos efeitos das alterações climáticas e ao aumento de fenómenos extremos como secas e ondas de calor. Na Europa central, a seca extrema em 2018 e 2019 desencadeou pragas de insetos que tornaram algumas florestas também em fontes de CO2[6].

Face a estas tendências, torna-se evidente que medidas de mitigação baseadas em recursos naturais, como a iniciativa de plantar 3 mil milhões de árvores na UE até 2030[7], apesar de bem-intencionadas e com outros benefícios (como a preservação da biodiversidade), serão apenas uma pequena parte da solução.  A redução rápida e imediata das emissões de gases com efeito de estufa é, por isso, prioritária, de forma a evitar um aceleramento do aquecimento global devido à saturação destes sumidouros de CO2 naturais. Quão rápida?

As leis da física permitem-nos estimar as emissões de gases com efeito de estufa que nos restam até atingir uma determinada meta de aquecimento global. Apesar das emissões de combustíveis fósseis terem vindo a abrandar globalmente, estas ainda são extremamente elevadas: às taxas de emissão atuais, atingiremos o limite correspondente a 1.5oC daqui a 6 anos[8]. Dito de outra forma, para atingirmos essa meta, teríamos de reduzir as emissões em cada ano até 2050, o equivalente às reduções observadas em 2020, durante o pico da pandemia.

Apesar desta urgência, os sinais da comunidade internacional são inquietantes. Os países responsáveis historicamente pelo aquecimento global continuam a emitir acima da sua “fatia justa”, um problema reconhecido, entre outros, pelo Conselho Ambiental alemão[9]. No entanto, ao mesmo tempo que medidas “verdes” geram resistência e protestos generalizados, levando governos por vezes a retrocederem, os 10% mais ricos a nível global continuam a contribuir impunemente para 50% das emissões. Desde 1990, 1% da população mais rica do planeta contribuiu para 23% do aumento das emissões de gases com efeito de estufa[10]. A justiça climática é, por isso, uma questão de justiça social.

O ano de 2024 foi o primeiro com temperaturas médias globais 1.5oC mais elevadas do que no período pré-industrial. Se iremos ultrapassar a meta do Acordo de Paris ou não depende das nossas ações, como comunidade do único planeta habitado que conhecemos. O problema é tanto da física do clima, como também de organização das nossas sociedades na resposta a uma emergência ambiental de que somos os únicos responsáveis. Vamos cada vez mais tarde… mas ainda a apanhamos?


[1] https://climate.copernicus.eu/copernicus-2024-first-year-exceed-15degc-above-pre-industrial-level
[2] https://unfccc.int/sites/default/files/english_paris_agreement.pdf
[3] https://www.nature.com/articles/s41586-024-07878-z
[4] https://essopenarchive.org/users/502191/articles/1260688-reduced-vegetation-uptake-during-the-extreme-2023-drought-turns-the-amazon-into-a-weak-carbon-source
[5] https://cbmjournal.biomedcentral.com/articles/10.1186/s13021-023-00234-0
[6] https://www.eea.europa.eu/en/analysis/publications/european-climate-risk-assessment
[7] https://forest.eea.europa.eu/policy-and-reporting/3-billion-trees
[8] https://globalcarbonbudget.org/key-targets/
[9]https://www.umweltrat.de/SharedDocs/Pressemitteilungen/DE/2020_2024/2024_03_PM_CO2_Budget.html?nn=400216
[10] https://www.nature.com/articles/s41893-022-00955-z

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