Há um padrão de comportamento no Governo da AD e, em particular, em Luís Montenegro que nos arrasta para estas eleições no dia 18 de maio. Arrogância é o substantivo que melhor se adequa a uma atitude de quem não entendeu ou não quis entender o seu contexto de governação e insiste em subestimar a inteligência dos eleitores.
Esta arrogância exemplifica-se em 12 pontos, que são meramente ilustrativos:
- Luís Montenegro nunca assumiu que governar em minoria, numa minoria muito expressiva, não é estar em maioria absoluta. Nunca procurou compromissos e procurou que o seu partido veiculasse a ideia de que a rejeição das suas propostas fosse sempre entendida como uma conspiração entre partidos da oposição, numa tentativa de construção de fantasias de associação entre o Partido Socialista e o Chega, para assustar os incautos e mascarar as suas próprias associações mais ou menos subtis ao ideário da extrema-direita. Assumiu posições de vitimização em detrimento da procura de compromissos de governação e, no seu calimerismo, arrastou o país para eleições. Esta cegueira de quem não assumiu a sua posição é típica de quem se acha omnipotente e despreza uma governação assente no parlamentarismo, como se o seu Governo não tivesse de ouvir e prestar contas – como deveria ser sempre e, mais ainda, em contexto minoritário. Tenta convencer quem não acompanha de perto a atividade política que não tem responsabilidade pela queda do Governo, depois de o PS lhe ter dado todas as condições de governabilidade (de uma forma que, suspeito, o PSD nunca teria dado ao PS em condições idênticas).
- Esta atitude de manifesta autossuficiência transformou-se em irresponsabilidade quando entregou a Assembleia da República ao triste espetáculo da eleição do seu Presidente, mais uma vez querendo assumir que podia decidir sozinho e desprezando o equilíbrio de forças no Parlamento. De novo, de forma arrogante, quis convencer-se a si e aos outros de que podia decidir sozinho. Não fora o Partido Socialista a resolver o impasse e aquela triste novela ter-se-ia prolongado por muito mais tempo.
- O Primeiro-Ministro empenhou-se numa relação de sobranceria em relação ao escrutínio público, em particular pela comunicação social. Muitos já terão esquecido as suas declarações sobre os auriculares dos jornalistas, que serviriam apenas para algo como “soprar perguntas” para o perturbar. Para além de achar que a população não sabe para que servem, de facto, os ditos auriculares, coloca-se na arrogante superioridade de quem entende que pode e deve ditar aos jornalistas qual a sua forma de atuação sobre o poder político.
- Estes onze meses de governação foram o tempo inusitado das declarações e conferências de imprensa sem direito a questionamento pela comunicação social. Na mundivisão de Luís Montenegro, a comunicação social serve para transmitir o que o Governo tem a dizer e não para questionar, interpelar, duvidar e apresentar contraditório. Arrogante, porque se coloca numa posição de recusa do escrutínio perante os seus anúncios.
- Ainda na relação com a comunicação social, recordo pelo menos três manchetes que se revelaram falsas ou, mais generosamente, equivocadas: a suposta redução dos impostos, a redução do número de alunos sem aulas e as listas de espera dos doentes oncológicos. Uma política de anúncios de resultados na expectativa – de novo arrogante – de quem acha que os cidadãos e a imprensa não vão, nem que seja posteriormente, questionar e debater os números. Mas, em cada um destes momentos, a opção foi resistir o mais possível ao contraditório e insistir na disseminação do erro.
- Os seus programas eleitorais assentam nos milagres que assumem uma suposta ignorância dos eleitores ou que tentam, de forma irresponsável, iludir para chegar ao poder com vãs promessas. Tudo se resolvia com planos de emergência apresentados rapidamente, como se problemas estruturais de fundo se resolvessem com medidas casuísticas ou anúncios e não com políticas públicas construídas com razoabilidade e profundidade. Se, na saúde, a urgência das situações de atendimento pôs a nu o vazio destas abordagens e a falência absoluta do rasgar para tentar resolver em cima do joelho problemas de fundo, também nas outras áreas a tibieza destes procedimentos se revelará. Assumir que basta mudar o Governo e apresentar uns powerpoints para resolver problemas é revelador de uma enorme falta de humildade perante a complexidade natural da gestão da coisa pública.
- Luís Montenegro esconde da população uma visão de médio e longo prazo sobre as finanças públicas. Esteve a governar em modo de campanha eleitoral, respondendo apenas aos grupos com maior capacidade vocal e representativa, criando novas assimetrias entre grupos e carreiras e achando que não era seu dever apresentar impactos sobre a despesa estrutural assumida, adiando sine die uma efetiva prestação de contas. Apresenta, agora, um cenário macroeconómico com previsões de crescimento que nenhuma organização responsável secunda e não diz de onde vai sair o investimento que todos adivinham que será certo em defesa e segurança. Esta opacidade é grave em si, mas também pelo quanto revela da sua visão sobre as respostas de que as pessoas precisam para votar esclarecidas. Considera que não tem de prestar contas de forma aberta.
- Aos poucos, foi deixando ver o que pretende para os serviços públicos. Mais contratos de associação, mais parcerias público-privadas na saúde, conversas semiabertas sobre o futuro das pensões e da segurança social. Mas acha que pode não ser claro. Porque acha que não temos o direito de saber.
- Foi eleito num “não é não” na sua relação com o Chega, mas foi sempre piscando o olho à extrema-direita, assumindo, arrogantemente, que não percebíamos o que se passava. Alimentou o discurso xenófobo e anti-imigração, convocou as forças de segurança para uma patética declaração ao país, misturando poder executivo e judicial, atacou políticas de cidadania na educação, recuou em políticas sociais de acolhimento aos imigrantes na saúde, apenas para citar alguns exemplos. Patrocinou um Presidente da Assembleia da República que, pela ação e pela omissão, foi normalizando e legitimando a indignidade no Parlamento. Arrogantemente, achou que não percebíamos.
- Assumiu que o país não entendia a sua relação com a Administração Pública, transferindo para os serviços a responsabilidade por falhas do seu Governo e exonerando dirigentes com declarações e despachos que primaram pelo desrespeito, sempre ou quase sempre para nomear personalidades ligadas ao seu partido. Ignorou a CRESAP, criada por um Governo PSD/CDS, e as suas próprias declarações sobre a colonização da Administração Pública, proferidas contra os governos de António Costa, que raramente mexeram em orgânicas ou nos dirigentes que estavam em funções à chegada ao Governo em 2015. Achou que não percebíamos e que não avaliávamos, porque seríamos ignorantes. A atitude da Ministra da Cultura denunciou-o, porque não se coibiu de afirmar ao que vinha.
- No caso que precipitou eleições, também entendeu que não lhe cabia prestar todos os esclarecimentos para as dúvidas que surgiram sobre o exercício das suas funções, disse que tinha mais que fazer do que responder a deputados, achou que ninguém percebia que prestava declarações às pinguinhas e sobre o que lhe apetecia. Achou que chantageava o Partido Socialista, apesar da clareza que o seu líder sempre teve relativamente a uma moção de confiança, e colocou a sua posição pessoal à frente do interesse do país.
- E a arrogância continua, quando não há pruridos em continuar a fazer anúncios, inaugurações enquanto em gestão ou, citando Pacheco Pereira, tentando fazer de nós parvos com a arruada camuflada do Conselho de Ministros do Porto. Tudo como se não houvesse restrições à atuação dos governos em gestão e em período pré-eleitoral.
O contexto nacional e internacional que vivemos, de crescente polarização e de ameaças a valores que não julgávamos possível ver questionados, convida a uma atitude diferente. De clareza, de transparência e em que não se construam políticas assentes na convicção de que os cidadãos não percebem ou não vão perceber. O populismo que destrói as democracias ataca-se com compromisso, complexidade e humildade e não com alienação.
O patético hino que apela a deixar “o Luís trabalhar” é, ele próprio, um péssimo sinal, no quanto constitui uma evocação dos momentos de má memória do cavaquismo, do primeiro-ministro que dizia não ler jornais e que achava que não lhe cabia prestar contas. A sua arrogância destruiu o seu capital de simpatia e o seu próprio trabalho.
Não se trata apenas de traços de personalidade. São manifestações de uma forma de estar na política que convidam a uma forte rejeição no dia 18 de maio.