Os tempos não estão fáceis. O domínio avassalador do pensamento neoliberal no chamado mundo ocidental, desde logo no plano da comunicação, mas também em grande parte da academia, na produção de conteúdos culturais massificados e, claro, na generalidade do panorama político e partidário, tornam muito mais exigente a intervenção dos que lutam por um caminho diferente, por uma política de esquerda.
Políticas que não resolvem os problemas da maioria das pessoas, que agravam as desigualdades e que comprometem de forma significativa o desenvolvimento dos países, como acontece em Portugal, abriram campo para os populismos. Mais do que isso, à falta de um corte com as políticas que nos levaram a este ponto, partidos conservadores, sociais-democratas, democratas-cristãos e outros, vão, por exemplo na Europa, absorvendo sucessivamente pressupostos que antes acharíamos reservados ao ultraliberalismo e à extrema-direita.
Estamos num tempo em que a dureza do combate exige cada vez mais clareza de posições. Em que não podemos querer atacar a consequência sem enfrentar a causa. Em que não podemos flanquear os problemas com receio de os enfrentar no seu cerne.
Não se pode ignorar, na sociedade portuguesa, o contraste brutal entre baixos salários, que nunca se considera possível aumentar, e lucros brutais que nunca é permitido questionar, obtidos à custa do esbulho das famílias, dos pequenos produtores e empresários e de benefícios públicos.
Não se pode ignorar o definhamento e crescente dependência da nossa economia e fingir não ver que algumas das suas razões fundamentais são a liberalização de setores estratégicos e a inserção na moeda única, mesmo que se reconheça que sair dela não é fácil nem pode ser imediato.
Não se pode ignorar que ter como objetivo o excedente orçamental, sem crescimento económico adequado, só pode ser conseguido à custa da destruição de serviços públicos e do raquitismo do investimento do Estado.
Não se pode ignorar que, para assegurar direitos fundamentais como a saúde ou a habitação, não podem ser o mercado, o lucro ou a especulação a ter o comando das decisões.
Não se pode ignorar que a biodiversidade e o ambiente não se defendem com a mercantilização do direito a poluir, nem com domínio do lucro das multinacionais sobre a exploração dos recursos naturais.
Não se pode ignorar que a corrida desenfreada aos armamentos é a antecâmara de uma ainda maior confrontação. Nenhum desenvolvimento industrial militar compensará os horrores da guerra.
É por isso que o combate da esquerda exige hoje cada vez mais coragem e clareza. Não pode confinar-se às estreitas margens que o unanimismo político e ideológico do capitalismo neoliberal tolera. Exige afirmar a verdade, mesmo quando ela é o contrário do que nos querem impor como única opção.
Clareza na afirmação do trabalho, dos seus direitos e da valorização dos salários, como questão estruturante e prioritária da nossa sociedade.
Clareza na afirmação de que os serviços públicos não podem ser negócios privados. De que os direitos fundamentais como a saúde, a educação, a habitação, o apoio social, não podem ser mercantilizados.
Clareza na exigência do controlo público de setores estratégicos para a soberania e o desenvolvimento económico.
Clareza numa agenda que alie o combate às alterações climáticas com o direito ao desenvolvimento dos povos e esteja livre do domínio do poder económico.
Clareza na denúncia da submissão da União Europeia ao domínio das multinacionais sobre o poder público e os Estados.
Clareza e determinação na defesa da Paz e na rejeição da política da guerra e do armamentismo, sem receio de catalogações espúrias.
Sem apontar ao fundamental não haverá mudanças significativas. Sem mudanças significativas a justiça social, a igualdade e a democracia estarão cada vez mais em causa.
Com quem contamos para este combate?