Quando, no dia 1º Maio de 1886, mais de 200.000 operários de Chicago aderiram a uma greve por melhores condições de trabalho, certamente que não imaginavam que essa acção provocasse uma resposta violenta do poder económico e político, concretizada numa forte campanha repressiva e num banho de sangue, que levou, inclusive, ao enforcamento de cinco sindicalistas.
As condições de trabalho e de vida dos operários e das suas famílias durante a Revolução Industrial eram terríveis. Actualmente, conhecem-se pormenorizadamente essas situações, as suas causas e consequências devido aos testemunhos pessoais, relatos ficcionados de denúncia e protesto e aos variados estudos científicos da época, que nos foram deixados por inúmeros participantes e autores.
O traço comum de toda a literatura é o mesmo: a Revolução Industrial foi um processo tecnologicamente disruptivo que criou profundas desigualdades de crescimento económico e de progresso social em cada país ou entre regiões e continentes.
A modernidade foi forjada no bojo da Revolução Industrial. As traves mestras das ideologias que estruturaram a nossa vida colectiva até à contemporaneidade foram elaboradas no fogo dos grandes combates políticos travados a partir dessa época até à primeira metade do século XX. Este foi também o período das grandes rupturas – a Revolução Russa de 1917 e o ascenso do fascismo e do nazismo em 1921 e 1933, respectivamente.
Passaram-se 139 anos desde esse primeiro 1º. Maio. Desde então, ao longo dos anos, o mundo mudou radicalmente, em todos os campos da sociedade. Relevamos as grandes descobertas e invenções no campo das ciências e da técnica, a evolução na estrutura e organização da economia, as novas funções sociais atribuídas ao Estado, as importantes aquisições no campo das liberdades e do funcionamento da democracia.
Em particular, as condições de vida e de trabalho da generalidade da população dos países industrializados também melhoraram, não existindo comparação entre o passado e o presente. Porém, estas mudanças progressistas foram resultado de grandes e poderosas movimentações de protesto e luta do movimento sindical, conjugadas com a acção política das esquerdas ao longo de largas dezenas de anos.
Porém, nos últimos trinta anos, estes significativos melhoramentos foram colocados em causa e assistimos hoje a um forte retrocesso social, especialmente nos países, regiões ou continentes em que se produziu este progresso social, geralmente localizados no hemisfério norte, com raras excepções.
Como caso de estudo, registamos a situação na Europa, uma das regiões mais desenvolvidas e ricas do Mundo. Segundo estudos da própria União Europeia, em 2023, 21% da população da EU (94,6 milhões de pessoas) estavam em risco de pobreza ou de exclusão social; 8,3% dos trabalhadores eram considerados pobres; 24,8% das crianças estavam em risco de pobreza ou de exclusão social e, em 16 Estados-membros da EU, a tendência era para o aumento desta percentagem; 48% dos pais tinham necessitado de reduzir a sua alimentação para alimentarem os filhos.
A grandeza destes números surpreende e assusta. Mas a sua própria existência é inaceitável, seja pela situação em si mesmo seja porque se constata um aumento escandaloso dos lucros dos bancos, empresas tecnológicas e de comunicações, cadeias de abastecimento, entre muitas outras, enquanto que as fortunas dos bilionários alcançam números estratosféricos.
Neste plano, também em várias regiões do planeta, continuam a existir países em que as condições de vida e trabalho da população são muito duras e indignas. Na generalidade, estes países são governados por regimes autoritários e, nalguns casos, estas condições são ainda agravadas por situações de guerra ou de insegurança generalizada.
A desigualdade está novamente no centro deste processo. A distribuição da riqueza é realizada de forma absolutamente injusta e a acumulação da riqueza numa ínfima minoria é a causa da situação iníqua vivida pela esmagadora maioria da população.
O que surpreende é a resposta política a esta situação. Ao contrário do passado, em que os partidos das esquerdas eram o porta-voz do justo descontentamento das classes populares, actualmente são as forças conservadoras ou mesmo reaccionárias que, na generalidade, têm capitalizado a insatisfação popular.
Inesperado, é o ressurgimento nos últimos anos, na Europa e a nível mundial, de organizações de extrema direita fascizante, que também absorvem uma parte importante desse sentimento e expressam, com radicalidade, a sua vocação autoritária e, mais ou menos dissimuladamente, a sua oposição à própria democracia.
Estamos, pois, perante uma nova realidade económica, social e política e o Primeiro de Maio realiza-se neste quadro complexo – a sua actualidade e necessidade radica-se nesta nova realidade, independentemente do simbolismo da própria data.
Somente uma participação mobilizada e forte dos trabalhadores nas manifestações que o movimento sindical convoca pode contribuir para a solução progressista dos problemas existentes. É fundamental convocar e organizar os trabalhadores, os excluídos, as classes populares, a cidadania, em suma, para que, com confiança e esperança, se envolvam nos combates sociais e políticos.
Os riscos de retrocessos sociais e políticos são reais e estão à vista de todos. Só com a participação consciente e aguerrida das classes populares se vencerão os perigos com que nos confrontamos. Secundarizá-los ou ignorá-los não é solução.
Todos temos de contribuir, o movimento sindical, os trabalhadores, os partidos das esquerdas, a sociedade civil, para que se construa um novo contrato social, devidamente sustentado na esmagadora maioria da população, que, simultaneamente, garanta níveis sociais dignos e a defesa da liberdade e da democracia.
Esta é a grande lição das vitórias inscritas na história do movimento sindical e operário mundial: sempre que a luta pelas condições de trabalho se fundiu com a luta pela defesa da liberdade e da democracia, nasceu dessa aliança uma sinergia vencedora.
Na época em que vivemos, em que as transformações digitais abrem um novo espaço para a acção e participação das pessoas, a sua actualidade cruza-se com a necessidade de as utilizar e colocar ao serviço dos combates pelo bem-estar e a justiça social, somente possíveis numa sociedade democrática, que é fundamental preservar.
Ainda não foi neste Primeiro de Maio de 2025 que a CGTP-IN e a UGT descortinaram uma maneira de se encontrarem, imprimindo mais força e dinâmica a este necessário movimento, mas temos esperança de que esta aproximação se venha a fazer, sem escamotear a identidade de cada uma, num futuro próximo.
Pela minha parte, participarei na manifestação da CGTP-IN.
Todos ao Primeiro de Maio. A luta continua!