Uma das novidades dos tempos interessantes e inquietantes que vivemos é o facto de as forças totalitárias terem descoberto como conquistar o poder e destruir a democracia a partir do interior, usando as próprias ferramentas da democracia e as fragilidades dos sistemas democráticos (a tolerância dos intolerantes, a excessiva confiança nas instituições democráticas, a ingenuidade equilibrista dos media, as dúvidas sistemáticas das élites).
Estamos a assistir à construção de uma nova ordem mundial que não se define nem se afirma através de um confronto aberto com as regras da democracia, mas que visa a sua destruição através do uso das liberdades que a mesma democracia lhe oferece e que chega a usar quase exactamente o mesmo discurso desta (ouça-se J.D.Vance a acusar as universidades e a Europa de não garantirem a liberdade de expressão!) para defender os abusos mais repugnantes.
Uma das arenas que esta vaga totalitária se preocupa em conquistar e ocupar é o espaço mediático – o clássico e o novo, as TV e “as redes”, como dizemos agora, sem ter de precisar mais. O seu avanço é notório através da forma como o seu discurso vai insensivelmente moldando o discurso e as propostas políticas da direita tradicional, mas não é apenas aí que a sua influência se faz sentir. Todos nós, mesmo à esquerda, vivemos num universo discursivo que tem sido crescentemente moldado pela agenda da direita e da extrema-direita. Argumentamos que não é possível fugir, que as enormidades do discurso da extrema-direita, seja ela ultramarina ou nacional, a sua desfaçatez, a sua grosseria, a sua profunda estupidez, a sua irracionalidade, as suas mentiras, os seus atropelos da lei e da decência impõem a sua desmontagem, a sua contestação, a nossa indignação. E é verdade. Mas o que não podemos fazer é enredarmo-nos em discussões espúrias sobre questões secundárias e perder a oportunidade de apresentar as nossas propostas para mudar o mundo. É evidente que não podemos deixar de combater o discurso da desigualdade e da violência, mas não podemos perder todo o nosso tempo e energia com a agenda da direita e da extrema-direita. O mundo mais justo que queremos construir exige tempo da nossa reflexão e da nossa discussão e precisamos de apresentar à sociedade as ideias mestras dessa construção e de fazer com que todos os cidadãos se consigam projectar nesse mundo. O risco não é apenas o canto de sereia do discurso da extrema-direita; é também o discurso da direita habitual. O There Is No Alternative de Margaret Thatcher já iniciou a sua decadência, mas o seu estatuto como referência económica e política, que ainda se faz sentir, foi conquistado pela sua ocupação hegemónica do discurso social, ocupação na qual uma parte não negligenciável da esquerda participou.
EmCausa, este site que estão a ler, tem esta ambição: apresentar e debater ideias à esquerda, aprofundar análises e consolidar propostas que possam tornar-se a base de políticas capazes de mudar para melhor a vida das pessoas. Não vamos tirar os olhos dos atentados da extrema-direita nem das falácias da direita mas o nosso objectivo deve ser trabalhar as ideias, alimentar as visões e lançar as propostas que a construção do mundo que queremos exige.
A indignação tem o seu lugar mas nós não somos o lugar da indignação. Não seremos um muro de lamentações. Somos o lugar das propostas, das alternativas e do combate. Da resistência, da convergência e de construção. Somos a outra opinião.
Há quem pense que já existe em Portugal demasiada opinião. Nós achamos que existe pouca. Muito pouca. É evidente que para discutir precisamos de ter dados, informação actualizada e fiável, mas os dados só por si não permitem tomar decisões. Para ser úteis devem ser pesados e discutidos. A informação tem o seu lugar, mas o debate, a troca de comentários e opiniões é essencial para construir algo novo, porque é essencial para construir as vontades colectivas que mudam o mundo. São as pessoas que mudam o mundo.
Neste site não vão encontrar o mesmo discurso em todos os autores. Haverá nuances, diferenças, discórdias. Este grupo não será homogéneo. Mas que ninguém se engane: por debaixo das nossas diferenças há uma convicção inabalável que nos une.
É um trabalho de Sísifo mas sabemos que podemos levá-lo a bom porto. A história não acabou.