A vitória histórica dos Trabalhistas de Anthony Albanese nas eleições australianas de 3 de maio representou uma clara aposta do eleitorado – especialmente dos jovens Millennials e da Geração Z – na estabilidade e em políticas focadas na realidade económica e social do país. Pela primeira vez, estes jovens eleitores superaram numericamente os Baby Boomers, representando quase metade do eleitorado nacional. Um dado que foi determinante, com analistas a referirem que a juventude australiana votou em peso contra os partidos conservadores, motivada não por preocupações ‘trumpistas’ como a imigração ou a segurança, mas produzindo um reality check feito de preocupações com a habitação, com as alterações climáticas, a educação e a igualdade de género.
Apesar do descontentamento de muitos jovens com os partidos tradicionais, a proposta trabalhista de reduzir em 20 por cento as dívidas estudantis foi um ponto de viragem. A promessa de expandir o acesso gratuito à saúde mental e aos cuidados médicos reforçou essa viragem. Muitos jovens explicam que votaram com um objetivo claro: impedir uma vitória da coligação Liberal-Nacional, liderada por Peter Dutton, cuja retórica anti-imigração e postura rígida em temas sociais afastaram os eleitores mais novos.
O colapso de Peter Dutton foi um dos grandes choques da noite eleitoral. O líder liberal perdeu inclusive o seu próprio mandato em Dickson, tornando-se o primeiro líder da oposição em 125 anos a sofrer esse destino, que pôs termo a 24 anos no Parlamento. A coligação poderá registar o seu pior resultado desde 1946. Recorde-se que a campanha de Dutton foi marcada por uma retórica fortemente ideológica, com propostas que incluíam cortes agressivos no setor público, endurecimento das políticas migratórias, contestação ao crescente reconhecimento da comunidade aborígene no país e a promoção de “valores tradicionais” – um discurso que alienou tanto os centros urbanos quanto os eleitores moderados. Analistas apontam ainda a falta de clareza estratégica, uma inadequada ou pouco clara política económica e uma desconexão cultural com os novos valores sociais como causas principais do desastre eleitoral.
Na reta final da campanha, tornou-se viral um curto vídeo em que um deputado trabalhista perguntava ao primeiro-ministro, Anthony Albanese, por que é que queria convidar Donald Trump a visitar a Austrália quando já tinha à sua frente um “Temu Trump”, o líder da oposição, Peter Dutton (uma referência pouco lisonjeira ao sítio de compras online de marcas brancas a preços baixos). Ainda que o fator Trump não tenha sido decisivo, acabou por ajudar na amplitude da vitória trabalhista. A penalizar Dutton esteve ainda a sua proposta de introdução de energia nuclear na Austrália – irónica porque nunca a concretizou de forma clara e nem sequer visitou na campanha nenhum dos locais onde se propunha instalar os reatores – acabando por tornar o voto, também, num referendo sobre energia.
Também Os Verdes, tradicionalmente fortes entre os jovens, viram a sua base eleitoral fragilizar-se. Embora tenham mantido algum peso no Senado, enfrentaram dificuldades na Câmara dos Representantes. O seu líder, Adam Bandt, correu o risco de perder o seu histórico mandato em Melbourne — uma zona onde a influência dos independentes cresceu significativamente. Em contraste, os chamados teal independents (candidatos centristas, pró-ambiente e muitas vezes mulheres empresárias ou com perfil técnico) mantiveram a sua força, aparentemente por responderem de forma mais credível às preocupações locais e ao desejo dos eleitores por maior integridade política e transparência.
Outros dos grandes derrotados das eleições foi o empresário de media Rupert Murdoch e a linha divisionista, agitadora e ultraconservadora das publicações que controla na Austrália. Durante a campanha, esses meios de comunicação endossaram abertamente a coligação Liberal-Nacional liderada por Peter Dutton, promovendo políticas de linha dura em áreas como imigração, segurança e economia. Depois do voto, alguns dos comentadores de serviço foram ainda mais longe, afirmando que as suas opiniões deviam ter sido ouvidas pelos Liberais, que deveriam ter adotado uma linha mais dura nas chamadas “guerras culturais”. A cobertura considerada divisionista e polarizadora foi vista por muitos como desconectada das preocupações reais da população, como o custo de vida, a habitação e as alterações climáticas. Além disso, a associação de Dutton a políticas semelhantes às de Trump, amplamente promovidas por esses meios, alienou eleitores moderados e jovens. Comentadores liberais moderados dizem que a grande derrota se deveu à troca de valores antigos do partido, como moderação orçamental ou uma agenda económica forte, por políticas divisionistas, à maneira de Trump. Mensagem que as alas mais conservadoras na Austrália teimam em não aceitar. Perante a derrota, a magnata do setor das minas Gina Rinehart encorajou o Partido Liberal a continuar a defender políticas semelhantes às de Donald Trump, citando como exemplos de sucesso países como Itália e Áustria e defendendo que deviam ser endurecidas.
No plano externo, a reeleição de Albanese foi bem acolhida por parceiros regionais, em especial por Timor-Leste. A continuidade de Albanese é vista em Díli como um sinal de estabilidade e de reforço da cooperação bilateral e um sinal positivo para a conclusão do acordo de exploração do Greater Sunrise, os poços de gás natural cruciais para a sobrevivência financeira de Timor-Leste.
Na prática, a vitória do Partido Trabalhista, parece ser o reflexo de uma Austrália em profunda transformação – mais jovem, mais urbana, mais plural. Os eleitores rejeitaram discursos divisionistas e exigem agora políticas eficazes, orientadas para a justiça social, climática e económica. O desafio de Albanese será manter este delicado equilíbrio: responder às expectativas crescentes dos jovens e independentes sem alienar os sectores mais moderados e institucionais. Mas por agora, a mensagem das urnas foi clara: os australianos querem estabilidade.