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Tropas dinamarquesas durante execícios da NATO na Letónia em 2022 (NATO)
Tropas dinamarquesas durante execícios da NATO na Letónia em 2022 (NATO)

A Europa da Defesa

A ameaça russa e a ruptura transatlântica representam o estilhaçar do Direito Internacional e o regresso da política de potência e das esferas de influência. A Europa está sob ameaça de uma potência imperialista e autocrática a leste e de uma potência MAGA imperialista e em acelerada autocratização a oeste. E exibe a sua ruína moral nem sequer protegendo o martirizado povo palestiniano.

1. Na desordem global, mais precisamos de Europa.

Não há ordem internacional e nada garante hoje segurança aos portugueses.

Há desordem global: um genocídio em curso em Gaza, na orla do Mediterrâneo, o Mare Nostrum; guerras por expansionismo territorial, incluindo a da Ucrânia, aqui na Europa; o Conselho de Segurança das Nações Unidas bloqueado; a América a ameaçar aliados (Ucrânia, Canadá, Dinamarca), a apagar do mapa a África, cortando apoios essenciais aos países e povos mais pobres e a exportar instabilidade e recessão com a guerra das tarifas.

Os europeus exigem que a UE os proteja e sabem que isso requer cooperação europeia na Defesa – 85% dos portugueses, segundo o último Eurobarómetro. Proteção não só para a sua segurança, mas também para a sua democracia.

2. A NATO já era. A Europa da Defesa urge.

Governantes, políticos e militares diziam há pouco que a segurança da Europa não era um assunto europeu mas matéria de soberania de cada Estado. E que era na NATO que os aliados organizavam a sua defesa e a defesa da Europa. Isto, apesar da UE ter capacidades para fazer operações militares e de as fazer há mais de 30 anos, em gestão de crises e operações de paz. Era apenas soft security, desdenhavam. Para a hard security – dissuasão nuclear e defesa colectiva – só a NATO tinha capacidade.

Os governos europeus (com raras excepções) não quiseram ver nem ouvir, apesar de repetidos avisos americanos, muito antes de Trump, e das invasões russas da Geórgia (2008), Crimeia e Donbas (2014): não investiram sequer num pilar europeu da NATO, apesar de terem assumido esse compromisso. Desde 2014 que se comprometeram a atingir 2% do PIB em investimento na defesa, mas muitos, como Portugal, não o fizeram.

Agora a NATO já era! Nem precisa de certidão de óbito, apesar de ainda mexer e de em Junho próximo haver mais uma Cimeira da NATO. Donald Trump preside de novo e afirma que os EUA não vão respeitar o Artigo 5º e proteger a Europa, ameaça aliados, insulta a UE e faz o que convém a Putin, designadamente traindo a Ucrânia: os governos europeus confrontam-se com o fim da relação transatlântica como esteio da segurança europeia (embora ainda haja alguns em negação, como o de Luís Montenegro) e com a incapacidade da UE e Estados Membros garantirem a sua hard security, para além de não conseguirem sequer fornecer suficiente apoio militar à agredida e invadida Ucrânia.

Há razões para alarme: a ameaça russa e a ruptura transatlântica representam o estilhaçar do Direito Internacional e o regresso da política de potência e das esferas de influência. A Europa está sob ameaça de uma potência imperialista e autocrática a leste e de uma potência MAGA imperialista e em acelerada autocratização a oeste. Pior: está irrelevante, como demonstra a ruína moral de, nem sequer em palavras, tentar proteger o martirizado povo palestiniano.

Em causa está muito mais que o território europeu: a defesa da liberdade das nossas gentes e das nossas sociedades democráticas. Basta ter visto o vice-presidente J. D. Vance e Elon Musk a respaldarem os nazis da AfD na Alemanha…

3. Autonomia estratégica da Europa

Há muito que a UE trabalha para assegurar a sua autonomia estratégica, que se pode subsumir no prosaico conceito de “contar com as suas próprias forças”.
A capacidade de agir autonomamente, de depender dos seus próprios recursos em áreas estratégicas-chave e de cooperar com parceiros quando necessário” é uma das definições usada no Parlamento Europeu. Sobretudo na Segurança e Defesa urge a autonomia estratégica da UE e essa atitude foi reforçada pela existência de Trump I e a perspectiva de Trump II.

Para só nomear alguns dos mais recentes produtos da reflexão europeia: a Bússola Estratégica, em 2022; a Estratégia para a Base Industrial de Defesa, em 2024; o Livro Branco para a Defesa Europeia; e o programa ReArm Europe. E, ainda de 2024, o relatório Enrico Letta “Muito Mais que um Mercado e o relatório Mario Draghi “O futuro da Competitividade Europeia” – que incidem sobre muito mais que o Mercado Interno e o relançar da estrutura industrial europeia e têm significativas implicações para a Segurança e Defesa e respectiva Base Industrial e Tecnológica. A estes documentos acresce o relatório de Sauli Niinisto, ex-presidente da Finlândia, “Reforçando a preparação e prontidão civil e militar da Europa” (Outubro de 2024) sobre a eventualidade de um conflito militar de alta intensidade nas fronteiras da UE. Do ponto de vista da Segurança e Defesa, estes três últimos relatórios complementam-se e deles emerge uma recomendação comum: a UE tem de agir, urgentemente, para se defender – tornando-se mais competitiva, mais segura e globalmente relevante.

A UE tem de agir porque estamos numa emergência: a UE tem de dissuadir ataques, organizar a defesa colectiva do seu território e proteger os seus cidadãos das ameaças externas e internas – porque muitas já tiveram tempo e espaço para agirem de dentro: crescentes desigualdades e populismos de extrema-direita, interferência política e ameaças híbridas.

Trata-se de uma questão existencial: a defesa da UE é também a defesa da democracia e do Estado social. É o insuspeito Mário Draghi que o sublinha na introdução ao seu relatório, apresentado ao Parlamento Europeu em 17 de Setembro de 2024:

Os valores fundamentais da Europa são: prosperidade, equidade, liberdade, paz e democracia, num ambiente sustentável. A UE existe para assegurar que os europeus podem sempre beneficiar destes direitos fundamentais. Se a Europa não conseguir garantir estes valores para o seu povo, então terá perdido a razão de existir. O único modo de enfrentar este desafio é crescer e tornarmo-nos mais produtivos, preservando os nossos valores de equidade e inclusão social ”.

Forçoso é reconhecer que a instabilidade política que hoje ameaça a Europa se deve, em grande parte, aos ataques neoliberais que lograram enfraquecer o Estado Social e bens públicos essenciais, como a habitação e a saúde. Reforçá-los e recolocar quem trabalha no centro da economia política europeia é condição para a coesão política indispensável à defesa e segurança colectivas.

O relatório Draghi propõe ações para recuperar competitividade e autonomia estratégica face aos EUA e à China. O que implica reagir para que as dependências não se tornem vulnerabilidades e a segurança da UE não dependa de outros.

Quando na UE se viu Elon Musk publicar um tweet, em Março último, a ameaçar a Ucrânia de desligar o sistema Starlink, vangloriando-se de que toda a linha da frente das forças armadas ucranianas “colapsaria se eu o desligasse”, quem é que em Bruxelas e nas capitais europeias não estremeceu?

E não é apenas do Starlink e do Space-X, empreendimentos do oligarca Elon Musk, que muitas instituições hoje dependem criticamente na Europa. A UE tem de cuidar – e exigir aos Estados Membros que cuidem – da segurança das infraestruturas críticas sob a sua responsabilidade. Na terra, no mar, no ar e no espaço. Nesta era digital das redes sociais que espalham desinformação e se prestam a ser veículos de ataques híbridos e na era da Inteligência Artificial, capaz de engendrar dispositivos de ataque letais.

Na carta que o presidente António Costa escreveu ao Conselho Europeu a 13 Janeiro 2025, sublinhava que “o objectivo de reforçar a defesa europeia deve ser levado em conta em todas as políticas relevantes da União”. Por exemplo, na reformulação da Política Agrícola Comum, já que não pode existir defesa e autonomia estratégica sem segurança alimentar. Está um Estado Membro como Portugal a identificar as implicações para a sua própria estratégia agrícola?

4. Como organizar a Europa da Defesa

A Europa da Defesa não está condenada ao bloqueio pela unanimidade exigida aos 27 Estados Membros. Pode avançar através de uma Cooperação Estruturada Permanente (CEP). CEPs são também a Moeda Única e o Acordo de Schengen — há uns tantos Estados que avançam mas todos podem vir a aderir, aceitando os compromissos e condições definidas.

Os projetos CEP na Defesa, desde que o primeiro foi criado em 2017, visavam abarcar a formação, a investigação científica e tecnológica e promover o desenvolvimento de capacidades e prontidão operacionais das Forças Armadas dos Estados envolvidos. Deviam criar também oportunidades para empresas em sectores tecnológicos avançados: foi assumido o objectivo de favorecer a Base Industrial e Tecnológica da Defesa, reforçando a autonomia estratégica europeia.

Defesa e autonomia estratégica supõem estruturas e capacidades de comando e controlo e um quartel-general militar permanente que a União Europeia não tem ainda. Existem na NATO, mas podem não funcionar com Trump. A União Europeia provavelmente não consegue decidir estabelecê-los a 27, mas pode fazê-lo através de uma CEP entre Estados Membros interessados e aberta à participação do Reino Unido e Canadá – uma “coligação de voluntários”. Tal como pode vir a estabelecer CEPs para apoiar com tropas no terreno a Ucrânia ou para lograr beneficiar da experiência de guerra ucraniana no desenvolvimento de tecnologia militar.

No entanto, a União Europeia pode estar a atingir os seus limites em matéria de defesa, sem base legal no Tratado para comprar directamente armas. As diferentes iniciativas lançadas pela Comissão Europeia concentram-se no financiamento das indústrias da defesa. Por isso o think tank Bruegel veio sugerir a instituição de um Mecanismo Europeu de Defesa (MED).

O MED, que começou, significativamente, a ser discutido na recente reunião de ministros das Finanças em Varsóvia (ECOFIN informal de 11/12 Abril), pode vir a ser uma espécie de réplica do MES – Mecanismo Europeu de Estabilidade, o fundo de salvação dos Estados criado no auge da crise da dívida soberana da zona euro. Seria um special purpose vehicle, podendo financiar-se nos mercados emitindo dívida, graças ao capital fornecido por países integrantes. Mas as missões do MED – segundo a proposta do Bruegel – poderão ir muito além das previstas para o MES: o MED poderia ser encarregado de conceder empréstimos, mas deveria sobretudo agir como uma agência de aprovisionamento para certos equipamentos militares, em certos casos de forma exclusiva. Além disso, devia assumir o papel de planificador, financiador e eventualmente proprietário de certas capacidades estratégicas utilizadas pelos países membros. Os autores do relatório Bruegel não o dizem explicitamente, mas o MED pode tornar-se num instrumento para lançar a integração das forças armadas dos participantes numa coligação de voluntários.

5. Como reforçar a Base Industrial e Tecnológica da Defesa

Mas “a Europa não precisa de armas, a Europa exporta armas” – criticam autoproclamados pacifistas, em inadvertida sintonia com o agressor imperialista Putin. Não querem que a UE e seus Estados Membros gastem mais em defesa e agitam o corte adicional nos orçamentos sociais que tal pode implicar, voltando a acenar com o velho dilema “manteiga ou canhões”.

Só que quem exporta armas não é a UE, são vários dos seus Estados Membros. E se o objectivo é impedi-los de exportar, em especial para países que fomentam conflitos, violam direitos humanos ou mesmo executam genocídios, como Israel hoje – em violação de um Código de Conduta sobre Exportação de Armas que existe na UE e é juridicamente vinculativo desde 2009 – a solução é reforçar os controlos europeus (e designadamente do Parlamento Europeu) sobre essas exportações de Estados Membros, não continuando a deixar que sejam afrouxados.

Mas, argumentam os mesmos auto-proclamados pacifistas, “a União Europeia já gasta cerca de 300 mil milhões de euros por ano em equipamentos militares” – o que leva alguns a afirmar que a Europa é “terceira maior potência” em gastos anuais na defesa.

Só que, mais uma vez, não é a União Europeia, são os seus Estados Membros que gastam. E gastam mal, descoordenadamente, com muita duplicação, desperdício e ineficiência. Por exemplo, segundo a Agência Europeia de Defesa, os países da UE operam 12 tipos de tanques de combate, enquanto os EUA só têm um, com diversas valências. E a maior parte dos tanques europeus está obsoleta e paralisada.

E se é verdade que os europeus gastam muito e mal em defesa, importa notar que gastam sobretudo a abastecer-se nos supermercados americanos de armamento e sistemas militares. Pois, apesar de todo o proselitismo sobre “comércio livre” das anteriores administrações, os EUA nunca prescindiram de fazer valer o seu Buy American Act. E também não é novidade nenhuma desta administração Trump a exigência de que a despesa dos aliados NATO incida prioritariamente na compra de equipamento americano… Novidade poderá ser a resistência oferecida pelos países europeus.

A autonomia estratégica europeia passa inevitavelmente por não continuar a deixar os países da UE fortemente dependentes dos sistemas de armamento americanos, com larga parte dos investimentos de defesa dos Estados Membros redirecionados para os EUA e para outros fornecedores, como Israel e a Coreia do Sul – como aponta Draghi no seu relatório.

Se há casos em que o recurso a fornecimento nos EUA se justifica porque na Europa não se produzem os equipamentos em causa, noutros casos existem equivalentes europeus, ou podem ser rapidamente tornados disponíveis pela indústria de defesa europeia, havendo orientação estratégica nesse sentido.

O relatório Draghi realça como a indústria de defesa europeia é fragmentada e geradora de muita ineficiência e sobreposição, o que limita o efeito de escala e prejudica a eficácia operacional no terreno, com muitas indústrias nacionais a duplicarem equipamentos e programas de armamentos, não para responder a necessidades da defesa europeia, mas centrados nos mercados domésticos ou de exportação.

Draghi nota também como a indústria de defesa europeia enferma de fracos orçamentos nacionais e de fraca atenção à importância de se investir no desenvolvimento tecnológico. Embora este seja um sector da indústria europeia altamente competitivo a nível global e com elevados volumes de exportação e apesar do conflito na Ucrânia estar a demonstrar o papel essencial que a tecnologia desempenha na superioridade militar.

No sector espacial, onde os europeus desenvolveram extraordinárias capacidades apesar dos baixos níveis de financiamento, Draghi nota que começam a perder terreno, apesar da tecnologia do espaço ser um sector de uso dual – servindo tanto utilizações militares como civis – nas áreas de observação, navegação e comunicações.

Draghi sublinha que, tanto para as indústrias de defesa como as aeroespaciais, “a insuficiente agregação e coordenação da despesa pública na Europa agrava a fragmentação industrial”. Isto é: além de ser necessário aumentar o investimento na defesa em geral, importa reforçar a cooperação e a articulação de recursos de I&D na defesa a nível europeu. O que, obviamente, também pode ser feito através de uma CEP. Ou de um futuro MED.

O relatório Draghi sublinha que investir no sector da Defesa é crítico para a Europa aumentar a autonomia estratégica, não apenas para enfrentar ameaças externas, mas como factor de inovação com repercussões por todo o tecido industrial e económico: a soberania tecnológica reduz a dependência do exterior.

Ou seja, pode não haver dilema entre manteiga e canhões. Investir na Base Industrial e Tecnológica da Defesa é crucial não apenas para proteger a Europa e reduzir a sua actual dependência estratégica como também pode ser a maneira de continuarmos a pôr manteiga na mesa, aumentando a competitividade, a soberania tecnológica, a capacidade produtiva e a prosperidade.

6. Como financiar o investimento na defesa da Europa

Seja como for, a Europa foi de novo colocada perante o velho dilema “canhões ou manteiga”, reformulado às vezes como “tanques ou pensões”, para alarmar os cidadãos com o espectro da escolha entre despesa militar ou despesa social.

Os países europeus que mais investiram ultimamente em defesa não sacrificaram o Estado Social, optando por diferentes estratégias: os países bálticos, com povos muito conscientes da ameaça russa, adoptaram aumentos de impostos, direccionados e temporários. Nórdicos e Países Baixos realocaram recursos, mas sem pôr em causa o Estado Social. A Suécia previu um imposto temporário sobre lucros da banca. Polónia, França e Alemanha, onde se chegou a acordo político para desconstitucionalizar os limites da dívida, optaram pela emissão de nova dívida, diferindo encargos orçamentais.

A presidente da Comissão Europeia anunciou o plano ReArm Europe para mobilizar €800 mil milhões para a defesa conjunta a longo prazo. Mas, como se sublinhou acima, a intervenção da Comissão Europeia e da União Europeia tem limites no Tratado e ninguém quer hoje reabrir a sua discussão. Por isso se explora a possibilidade de um MED.

O programa de financiamento ReArm Europe tem cinco eixos: flexibilizar as regras do Pacto de Estabilidade para permitir aos Estados Membros endividarem-se sem entrar em défice excessivo, prevendo que adicionem 1,5% do PIB aos gastos nacionais em defesa; a emissão de obrigações europeias (eurobonds); a alocação de fundos de coesão à área da defesa; e o incentivo a privados e ao BEI, para investirem e apoiarem o sector da defesa.

A emissão de dívida conjunta da UE – projecto que ainda encontra fortes resistências de alguns Estados Membros – deve permitir economias de escala e diminuição de custos no plano financeiro, tal como favorecer, no plano militar, compras conjuntas, harmonização de equipamentos, optimização de recursos e mais interoperabilidade e eficiência.

7. E Portugal?

Para fazer este debate, seria bom que portugueses tomassem consciência de que foram os seus establishments políticos e militares acríticos e sem visão que conduziram o país e as nossas Forças Armadas e de segurança ao estado em que estão. E que deixaram as forças neoliberais desmantelar, a pretexto da austeridade, alguma base industrial e tecnológica que nos restava na defesa nacional, transatlântica e europeia. Vendendo empresas públicas que davam lucro e construíam equipamentos estratégicos e com potencial exportador (como a EID, que produzia sistemas de comunicação navais, hoje sob controle britânico), degradando e vendendo a privados por patacos empresas, instalações e terrenos (como as OGMA e os Estaleiros Navais de Viana do Castelo), deixando degradar o que resta (Alfeite) e desmantelando a holding das indústrias de defesa do Estado (EMPORDEF). Deixando definhar as nossas Forças Armadas, a ponto de sermos confrontados com a tragi-comédia do roubo de munições na base de Tancos e com a revolta dos marinheiros do navio “Mondego” contra a indigência e perigosidade das condições de operação. Para não falar do conluio do centrão político e dos negócios para sobre-facturar em esquemas corruptos de aquisições de submarinos e de muitos outros equipamentos militares.

Os portugueses precisam de abandonar a fábula do seu jardim à beira-mar plantado, supostamente protegido por estar distante de guerras, sem fazer a mais pequena ideia das reais vulnerabilidades do território nacional, incluindo as vastíssimas zonas marítimas sob nossa responsabilidade e sem fazer ideia das sinistras debilidades que ameaçam as desprotegidas infraestruturas críticas nacionais. A percepção de insegurança que uns querem malevolamente criar em torno da imigração também serve para desviar atenções da insegurança e fragilidades em sectores críticos, alguns já manifestamente infiltrados.

Os portugueses precisam de saber que foi por desleixo, desinteresse e falta de visão que Portugal não cuidou de ir patrocinando a colocação de quadros nas agências europeias com relevância na áreas da defesa, antes preferindo pôr todos os ovos na NATO e continuar a ir, por norma, fazer compras militares às prateleiras americanas…

Não admira assim que o trabalho de reconversão agora seja mais difícil. Mas tem de ser feito. E o enquadramento num esforço comum europeu pode ser muito útil, não apenas pelo financiamento disponibilizável, mas também pelo potencial transformador, quer para a inovação e desenvolvimento da nossa indústria, quer para investir qualitativa e quantitativamente nas nossas capacidades de defesa. Há oportunidades a agarrar, como o demonstra o progresso tecnológico e comercial já alcançado no sector dos UAVs/drones, feito para corresponder a objectivos de ajuda à Ucrânia.

8. Contra o pseudo-pacifismo

Importa agora que governantes, políticos e militares saibam do que falam, estudem, comuniquem com verdade e sentido pedagógico, não deixem a opinião pública ser envenenada com teses de pseudo-pacifismo e neutralidade, que mais nos vulnerabilizam, isolam e atrasam, como as que tendem a desvalorizar o potencial transformador do esforço europeu, numa linha política e militarista nostálgica da relação transatlântica. Imaginem como reagiriam estes entusiastas da NATO, se amanhã Trump decidir que quer os Açores, como hoje quer a Groenlândia…

Ou teses que tendem, inadvertidamente ou não, a servir agressores como a Rússia de Putin, desvalorizando as ameaças e pintando-as como uma improvável coluna de tanques a descer de Moscovo até Lisboa, escondendo que um ataque mais depressa pode ser desferido por um velho navio de carga a destruir cabos submarinos ou por um missilzito escapado de um submarino a passar a poucas milhas junto à nossa ZEE.

É também por isto que importa informar os cidadãos e fazer pedagogia sobre as nossas vulnerabilidades, necessidades e o potencial de contribuirmos para a defesa europeia, reforçando do mesmo passo a nacional. Neste quadro, e sabendo como é crucial recrutar homens e mulheres para a Defesa Nacional, não é mais aceitável adiar-se a criação de um serviço cívico para a juventude, incluindo uma componente de serviço militar e de tecnologias digitais e ambientais, que permita difundir conhecimento dos desafios, adquirir formação e desenvolver capacidades de uso duplo, fomentando a criatividade científica, tecnológica, industrial.

As mulheres têm de ser envolvidas num programa nacional de reforço das nossas capacidades de defesa nacional e europeia. Em todos os estágios da sua concepção e aplicação. Na era digital já não pode haver espaço para preconceitos misóginos e redutos machistas. Incluindo na decisão política. Portugal, num governo socialista, já teve uma mulher como ministra da Defesa Nacional que serviu com competência e dignidade. É por isso crucial que muito mais mulheres se afoitem a entrar de cabeça, e com cabeça, na defesa nacional e europeia.

É atribuída a Georges Clemenceau a afirmação de que “a guerra é um assunto demasiado grave para ser deixado apenas aos militares”. Importa que a Esquerda em Portugal o parafraseie e interiorize que a guerra é um assunto demasiado grave para ser deixado apenas aos militares, à direita e aos homens.

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