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Valorizar o sindicalismo: uma causa pública

O sindicalismo nasceu para impedir a manipulação da liberdade individual, contrapondo-lhe a noção de que cada cidadão só tem os seus diretos individuais garantidos quando há compromissos coletivos sólidos que os ancoram.

Os grandes problemas da humanidade foram e são coletivos e as soluções para eles têm de ser encontradas em comum. Negando essa evidência, o neoliberalismo apresenta-nos o futuro como uma construção de todos contra todos. O seu conceito de igualdade escamoteia as diferenças imanentes da estratificação social, bem como do lugar de classe de cada ser humano e coloca os interesses dos privilegiados sempre a salvo. No trabalho, em nome da igualdade entre todos os seres humanos, favorece o poder unilateral dos detentores do capital, tornando-o a base dos sistemas de relações de trabalho.

O sindicalismo nasceu para impedir aquela manipulação da liberdade individual, contrapondo-lhe a noção de que cada cidadão só tem os seus diretos individuais garantidos quando há compromissos coletivos sólidos que os ancoram. É assim com os direitos laborais, mas também com os direitos sociais fundamentais – historicamente muito associados aos primeiros – cuja prestação constitui a maior fonte de rendimento extra salário para a maioria dos trabalhadores no ativo e suas famílias.

Quando a Direita proclama que as dificuldades das pessoas se resolvem “fazendo entrar mais dinheiro no bolso de cada cidadão”, que por si decidirá o que fazer com ele, quase por certo está a mentir-nos. As pessoas podem ficar com mais dinheiro no início do mês e com saldos negativos maiores no seu final. Assim acontece quando o Serviço Nacional de Saúde se enfraquece e as pessoas têm de recorrer ao privado e pagar, ou porque a Escola se degrada e é preciso procurar e pagar a explicadores, ou por efeitos dos exorbitantes custos da habitação. Quanto devem crescer os salários, para compensar estes saques que não param de aumentar? Só haverá mais “dinheiro no bolso” quando os trabalhadores e os reformados tiverem acesso a uma parte maior da riqueza produzida.

O Papa Francisco escreveu, no capítulo V, “A Política Melhor”, da Encíclica Fratelli Tutti: “O desprezo pelos vulneráveis pode esconder-se em formas populistas que, demagogicamente, se servem deles para os seus fins, ou em formas liberais ao serviço dos interesses económicos dos poderosos. Em ambos os casos, é palpável a dificuldade de pensar num mundo aberto, onde haja lugar para todos, que inclua os mais frágeis e respeite as diferentes culturas”. A atual campanha eleitoral mostra-nos que corremos o risco de aquele liberalismo se instalar fortemente no governo. O Estado Social e os direitos no trabalho podem estar debaixo de um fogo violento, por agora escondido.

O sindicalismo foi e é instrumento fundamental para a conquista da dignidade no trabalho e obreiro relevante na construção e defesa de pilares fundamentais da Democracia. Na sua caminhada obteve ganhos para todos os trabalhadores – mesmo para os que não agiram. Foi assim na luta contra a pobreza, a precariedade, as discriminações, os baixos salários e os longos horários de trabalho, ou pelo acesso à habitação e a direitos sociais e políticos fundamentais.

Os passos dados ao longo do tempo em busca do Trabalho Digno assentou num tripé que está hoje muito fragilizado: i) a organização e representação coletivas ii) o Direito do Trabalho com as suas especificidades e o reconhecimento de que o trabalhador, individualmente considerado, não está em pé de igualdade perante a entidade patronal iii) a efetividade da negociação coletiva. Parece-me imprescindível fazermos uma reflexão estratégica para a revitalização deste tripé. Uma das matérias a ter em conta será a clarificação do que são instrumentos de trabalho e formas da sua prestação e organização. E de que modo têm ou não relação com o tipo de emprego em cada situação.

Os sindicatos podem ser instrumento para os jovens concretizarem o sonho de ter mais vida para além do trabalho, objetivo que só conquistarão com melhores salários e reduções de tempo de trabalho. No imediato, é primordial reforçar o combate pela valorização das qualificações, das profissões (novas e velhas) e das carreiras profissionais. É preciso um combate ideológico muito sério contra a utilização do conceito de “colaborador” em substituição do de “trabalhador”. Essa conceção estava no Código de Trabalho corporativo/fascista de 1933. Trata-se de uma manipulação ideológica que ataca a valorização das profissões e trava a evolução do perfil de especialização da economia.

Ao longo da sua história, os sindicatos foram capazes de agir, com eficácia, no plano nacional (são contemporâneos do Estado Moderno) e de praticar a solidariedade internacional. No quadro da atual guerra comercial, o sindicalismo pode ter papel importante nos processos de mudança inerentes ao “retorno” a políticas designadas de nacionalistas e que poderão vir a ter várias configurações.

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